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Chile: um exemplo em gestão de risco sísmico

8 outubro 2020 Habitat

Por que a implementação de tecnologias de resistência sísmica pode ser um fator fundamental para a competitividade? O Chile já enfrentou fortes terremotos, mas demonstrou sua liderança frente a esse tema principalmente durante o sismo de 27 de fevereiro de 2010. A técnica de construção tradicional que é utilizada pelos chilenos ajudou a proteger a vida das pessoas e o patrimônio do país.

* Este artigo foi publicado na Revista Geociências SURA | Edição 1 | Novembro de 2016.

 

Na madrugada do dia 27 de fevereiro de 2010, um sismo de magnitude de 8,8 Mw originou-se na área central da costa do Chile, causando danos em elementos estruturais e não estruturais em edificações das cidades de Concepción, Viña del Mar, Constitución, Talca e Santiago do Chile.

Ainda que tenha sido considerado o segundo maior sismo na história do Chile e o sétimo na história mundial, a maior parte das edificações não sofreram danos. Isso é um exemplo claro do bom desempenho sísmico, e uma mostra de que a engenharia sismo- resistente afeta de um modo direto na atenuação do risco sísmico e na competitividade e desenvolvimento sustentável de um país.

 

Uma boa tradição em construção: estruturas rígidas

Ou o Chile é um país que é forçado a enfrentar terremotos muito fortes. Após ou terremoto de Chillán em 1939 (magnitude de 7,8 Mw), observei que as edificações foram construídas utilizando a técnica alvenaria confinada, isto é, com tijolos de argila, colunas e vigas de amarração de concreto armado, reagiriam melhor que São construídas em alvenaria sem confinamento (sem vigas e pilares de concreto armado), conforme explica Patricio Bonelli. 

Posteriormente, quando começaram a construir edifícios em altura, passaram a utilizar muros de concreto armado (concreto reforçado). Essa ideia foi transmitida para as seguintes gerações de engenheiros, que aprenderam sobre a necessidade de projetar estruturas com muros, pois os mesmos garantiam maior rigidez lateral e, portanto, melhor desempenho sísmico. Finalmente, na década de 1970, os muros de concreto armado assumiram papel importante no Chile. 

Isso foi fundamental quase quarenta anos depois, no sismo de 2010, pois, segundo o engenheiro Bonelli, a maioria dos edifícios funcionaram muito bem porque, além de serem bastante rígidos, foram construídos em solos duros com boas características, como é a brita em Santiago. “Isso gerou resultados surpreendentes, com pouca ou nenhuma incursão das estruturas no regime não lineal (níveis baixos de deformação) e às vezes sem fissuras nem danos”, explica. 

Em um trabalho recente realizado pelo engenheiro Patricio Bonelli junto com o engenheiro René Lagos e outros profissionais, foi realizada uma avaliação de uma amostra de mais de 2.000 edifícios no Chile, que mostraram deformações relativas muito baixas associadas ao sismo de 2010. Concluiu-se que o bom desempenho desses edifícios foi o resultado dos bons solos de cimentação, a distância da falha onde se originou o sismo e a alta rigidez lateral dos edifícios.

Uma das lições que esse fenômeno natural deixou aos chilenos foi continuar com a sua tradicional estruturação de muros rígidos, pois, diferentemente dos edifícios com batentes ou pórticos, formados por vigas e colunas, esses causam deslocamentos menores e, consequentemente, danos menores. 

Além disso, para o engenheiro Bonelli, o segredo dos muros de concreto armado (concreto reforçado) está em determinar a espessura e o aço de reforço necessário nas bordas do muro, a fim de melhorar a resposta sísmica do edifício. 

 

“Se você passear por Concepción e Santiago nunca pensará que aconteceu um terremoto como o de 2010”.

Patricio Bonelli. Pesquisador e professor da Universidade Técnica Federico Santa María de Valparaíso, Chile.

 

Que lições aprendemos com os terremotos que ocorreram no Chile?

Segundo o engenheiro Bonelli, os sismos no Chile, especialmente o de 2010, deixaram várias lições: 

  • Não podemos confiar nos muros com pouca espessura, pois geralmente o confinamento não é eficaz e seu comportamento tende a ser muito frágil. A encurvadura (flexão causada pela compressão) dos muros deve ser evitada. Isso depende das características da estrutura e da demanda de deformação esperada no lugar do edifício.
  • A demanda de deformação não está somente relacionada ao tipo de sismo e à distância do lugar de interesse, mas aos efeitos de amplificação dos movimentos sísmicos vinculados a solos moles e a condições topográficas. 
  • O solo é um fator decisivo na geração de danos por sismo; por isso, dependendo das características dos solos, existem áreas nas quais deveriam estar restritos certos tipos de edificações, já que envolveriam um esforço maior de deslocamento.  Segundo o engenheiro Bonelli, as práticas atuais de projetos no Chile estão direcionadas à construção de estruturas rígidas que se comportem adequadamente e tenham a maior ductilidade possível, isto é, capacidade de resistir a dano permanente sem colapso, mas sem ter que chegar a utilizá-la, o que significa contar com estruturas que se deformem pouco. 

 

Incorporar tecnologias

Na data do sismo de 2010 havia poucos edifícios com isolamento sísmico em Santiago do Chile e Viña del Mar. Todos eles reagiram de maneira excelente diante desses movimentos. Por isso, durante os últimos anos o uso desse tipo de sistema vem sendo ampliado, pois, como afirma o engenheiro Patricio Bonelli, com o isolador “o sismo é eliminado”. 

Segundo a engenheira Gloria María Estrada, Gerente de Geociências da Suramericana, um sistema de isolamente de base faz com que os deslocamentos relativos entre os andares do edifício sejam pequenos e desse modo não causem danos.

Outra tecnologia utilizada é a dissipação de energia, que reduz em aproximadamente 30% a deformação. No sismo de 2010, vários edifícios que contavam com esse sistema reagiram muito bem, no entanto, a melhor solução, segundo o engenheiro Bonelli, é o isolamento sísmico, que deveria ser regularizado e utilizado massivamente.

Mesmo que o edifício não sofra danos estruturais (que comprometam sua estabilidade e resistência), é importante considerar que podem surgir danos não estruturais que impeçam sua ocupação e funcionamento imediato após o sismo. O isolamento sísmico oferece a grande vantagem de ser uma solução para reduzir os danos de ambos os tipos. 

Por isso, é considerado um sucesso que no Chile esteja sendo implementada essa tecnologia não só em edifícios baixos, mas também nos mais altos, como os de 20 e até mesmo os de 30 andares. Quando começaram a utilizá-la, os custos aumentaram aproximadamente 5%, mas estão diminuindo e atualmente o aumento dos custos das obras é baixo.

“É preciso continuar promovendo o uso da tecnologia de isolamento sísmico, porque, como o deslocamento relativo entre os andares do edifício se limita, sabemos que o mesmo não será sensível aos danos”, aponta o engenheiro Bonelli e acrescenta que é a melhor solução para diminuir tanto danos estruturais quanto não estruturais. 

 

Ocupação e funcionamento imediato

Os grandes efeitos do sismo de 2010 no Chile foram o lucro cessante e os danos ocasionados em elementos não estruturais, que impossibilitaram a ocupação e o uso imediato das estruturas após o sismo. Por isso, é necessária a gestão do risco sísmico com um foco preventivo. 

Na medida em que gerenciem o risco sísmico, as empresas contarão com outro indicador de competitividade, que se refere à atenuação de perdas associadas ao lucro cessante. Ao não sofrer danos em suas instalações, tanto em elementos estruturais quanto não estruturais, poderão continuar funcionando, já que não será necessário fechá-las parcial ou definitivamente.

Embora as normas sísmicas chilenas especifiquem que em terremotos como o de Maule se aceitam danos até certo ponto, o engenheiro Patricio Bonelli destaca que, na prática, as pessoas “não aceitam qualquer tipo de dano”. Por isso a importância de ter consciência para evitar os danos, como um elemento fundamental de competitividade e sustentabilidade.

A gestão do risco sísmico também exige uma capacidade de resiliência, isto é, capacidade de recuperação após o sismo. Este é um grande exemplo da engenharia chilena, como afirma o engenheiro Bonelli: “Se você passear por Concepción e Santiago nunca pensará que aconteceu um terremoto como o de 2010”.

Fontes

  • Patricio Bonelli. Engenheiro civil da Universidade do Chile, especialista em cálculo estrutural de concreto armado. Pesquisador e professor da Universidade Técnica Federico Santa María de Valparaíso, Chile. 
  • Gloria María Estrada Álvarez. Engenheira civil, especialista em engenharia ambiental, especialista e mestre em engenharia sismo-resistente.