Seguros SURA - Habitat - Geociencias - Imagen principal - descargas eletricas -atmosfeericas
Blog

Descargas elétricas atmosféricas: origem, impactos e sistemas de proteção

11 novembro 2020 Habitat

As descargas atmosféricas são um dos fenômenos mais imponentes da natureza. É por isso que, desde os tempos antigos, nossos ancestrais, maravilhados com esse fenômeno, associaram a sua origem a uma expressão do poder das divindades. Milhares de anos depois, o homem conseguiu desvendar os processos físicos que dão origem a esse fenômeno natural, o que nos permitiu projetar sistemas que mitiguem os seus impactos. 

* Este artigo foi publicado na Revista Geociências SURA | Edição 5 | Setembro de 2019. 

 

Ao longo da história da humanidade, diferentes culturas atribuíram as descargas elétricas a manifestações de ira ou poder de suas respectivas divindades. Este é o caso, por exemplo, dos antigos gregos, vikings, budistas e algumas comunidades ancestrais indígenas, que associaram esse tipo de fenômeno a castigos divinos enviados por Zeus, Thor, Buda ou certas figuras míticas. 

Apenas na segunda metade do século XVIII, graças ao trabalho de Benjamin Franklin, foi possível dar uma explicação física a esse fenômeno, que tem o potencial de afetar bens materiais e provocar a perda de vidas humanas. 

 

Qual é a origem das descargas eléctricas?

Descargas elétricas geradas na atmosfera terrestre podem ser causadas por erupções vulcânicas, incêndios florestais extremamente intensos e tempestades de neve ou, até mesmo, de poeira. No entanto, a maioria das descargas elétricas atmosféricas ocorre em nuvens cúmulos-nimbo, também conhecidas como nuvens de tempestade. 

Esse tipo de nuvem é a causa de muitos dos fenômenos naturais atmosféricos que representam uma ameaça aos bens materiais e à vida de pessoas e animais. Furacões, tornados, chuvas torrenciais, tempestades de granizo e choques elétricos têm origem em nuvens de tempestade, que são caracterizadas por um grande desenvolvimento vertical. 

Nuvens cúmulos-nimbo apresentam fortes correntes de vento ascendentes e descendentes em seu interior, causados por diferenças de temperatura entre a superfície da Terra e a atmosfera superior. Essas correntes têm a capacidade de mover, em alta velocidade, as partículas de gelo, neve e gotículas de água contidas dentro da estrutura da nuvem, também conhecidas como “hidrometeoros”. 

Os hidrometeoros se movem caoticamente dentro da nuvem, colidindo um com o outro, o que faz com que sejam carregados eletricamente, conforme explica o doutor Silverio Visacro, professor e chefe do Centro de Pesquisas de Descargas Atmosféricas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Brasil. Durante essas colisões, partículas maiores são carregadas negativamente e, graças ao seu tamanho e à força da gravidade, permanecem na base da nuvem, enquanto partículas menores são carregadas positivamente e permanecem nas camadas mais altas da nuvem. 

Essa distribuição de cargas faz com que a parte inferior da nuvem fique carregada negativamente e a parte superior positivamente. Por outro lado, a superfície da Terra tem uma carga ligeiramente negativa. No entanto, quando uma nuvem de tempestade se forma, a carga negativa na base da nuvem é grande o suficiente para repelir as cargas negativas que estão no solo. 

Portanto, o solo e qualquer objeto que estiver sob ou próximo à tempestade serão carregados positivamente, gerando um campo elétrico que é o princípio para a descarga ser gerada. Dadas as condições descritas, o próximo passo para gerar uma descarga elétrica é estabelecer um canal de conexão entre as cargas opostas, porque o ar é um mau condutor elétrico. No entanto, quando a diferença entre as cargas opostas for muito grande, esse potencial superará a resistência do ar, que se carregará eletricamente, através de um processo conhecido como ionização.

Durante o processo de ionização, as cargas negativas, com o objetivo de estabelecerem um canal de conexão com as cargas positivas, rompem a capacidade isolante do ar e passam a fluir livremente, formando ramificações e gerando uma via principal de passagem, num processo conhecido como “stepped leader”. 

Quando a via principal de passagem está a cerca de 50 metros de estabelecer conexão com as cargas positivas, elas também são atraídas e vencem a resistência do ar, estabelecendo o canal de conexão e dando lugar à descarga elétrica, que também é conhecida como corrente de retorno. 

Depois da descarga elétrica principal ou corrente de retorno, pode ser que a nuvem tenha um excesso de cargas negativas que fluam através do mesmo canal inicialmente estabelecido, gerando uma segunda, terceira ou quarta descarga consecutiva, dependendo do excesso de cargas na nuvem. Ramificações não são observadas durante esse tipo de processo. 

Principais conceitos para entender esse fenômeno

  • Raio: nome comumente atribuído às descargas elétricas atmosféricas. 
  • Relâmpago: refere-se à energia visível associada à descarga elétrica atmosférica. 
  • Índice ceráunico: refere-se ao número de dias de trovoada, numa determinada região por ano. É usado onde não há disponibilidade de medições diretas das descargas que ocorrem diretamente no solo. 
  • Trovão: som causado pela descarga elétrica atmosférica. Ocorre como consequência do aquecimento do ar presente no canal da descarga elétrica.

 

Quais são os principais tipos de descarga atmosférica?

Nuvem-ionosfera

Estudos realizados nas décadas de 1980 e 1990 permitiram identificar que há uma série de descargas atmosféricas que ocorrem na parte superior das nuvens cúmulos-nimbo em direção à ionosfera. Essa camada da atmosfera terrestre pode ter entre 80 e 500 quilômetros de altitude e é caracterizada por ter grandes processos de ionização que permitem a concentração de elétrons livres. 

Intra-nuvem 

São o tipo mais comum de descarga elétrica na atmosfera. Ocorrem entre duas cargas opostas na mesma nuvem. Embora seja mais frequente que ocorram dentro dos limites físicos da nuvem, também é possível que ocorram fora desse limite, o que possibilita a observação da ramificação do raio, como nas descargas nuvem-atmosfera. 

Nuvem-nuvem 

Ocorrem quando há uma descarga elétrica entre duas cargas elétricas opostas, presentes em duas nuvens que estão a uma certa distância. 

Nuvem-terra 

Ocorrem quando há transferências de cargas elétricas entre a atmosfera e a terra. A maioria dessas descargas ocorre das nuvens para a terra (descargas descendentes), mas também é possível que ocorram da terra para as nuvens (descargas ascendentes). Embora as descargas nuvem-terra não sejam as mais comuns, representam um perigo maior para pessoas e bens materiais, em comparação com outros tipos de descargas. 

 

“A distribuição geográfica das descargas nuvem-terra está muito ligada à orografia e à dinâmica local das tempestades. No entanto, as regiões tropicais são caracterizadas por uma frequência mais alta de descargas descendentes, enquanto nas zonas extratropicais com temperaturas mais baixas há mais descargas ascendentes do que nos trópicos”.

Doutor Silverio Visacro, especialista em descargas elétricas atmosféricas e professor-pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil. 

 

Qual é a distribuição global das descargas elétricas? 

Embora existam vários instrumentos de medição para determinar a localização de uma descarga elétrica atmosférica, avanços recentes em sensores remotos, como satélites, ampliaram o espectro para determinar melhor a distribuição global desse fenômeno. 

Os sensores de satélite detectam a atividade elétrica na parte superior da nuvem a partir de sensores ópticos ou de temperatura que medem as descargas internas das nuvens, no entanto, uma desvantagem é que eles não podem detectar descargas nuvem-terra. Existem instrumentos mais precisos para detectar descargas nuvem-terra, como dispositivos eletromecânicos, conforme explica o doutor Silverio Visacro.

A partir dos registros dos sensores de satélite, é possível concluir que as descargas elétricas ocorrem em qualquer lugar da Terra. Porém, na região tropical estão as áreas com a maior densidade de descargas, entre os Trópicos de Câncer e Capricórnio. 

Essa região tem uma maior exposição à radiação solar em comparação com o resto do globo, portanto, a temperatura da superfície dela é mais alta. Isso marca uma grande diferença de temperatura com a alta atmosfera, o que favorece os processos convectivos que dão origem a tempestades elétricas. 

Ainda que as zonas localizadas nos trópicos apresentem uma quantidade maior de descargas elétricas atmosféricas em relação à distribuição global, existem outros fatores adicionais, como a topografia regional, a forma e a extensão da costa ou linhas costeiras e a dinâmica dos ventos locais, que fazem com que, dentro das zonas localizadas nos trópicos, haja regiões com maior densidade de descargas do que outras. 

Um exemplo dos efeitos locais na densidade de descargas elétricas é apresentado na confluência do rio Catatumbo com o lago Maracaibo, na Venezuela, conhecido como um dos pontos geográficos em que é registrado o maior número desse tipo de fenômeno, com aproximadamente 250 raios/km2, razão pela qual ele é amplamente conhecido na Venezuela como “Relâmpago do Catatumbo”. 

 

Quais são os impactos das descargas elétricas?

As descargas elétricas atmosféricas podem ter impactos significativos, tanto para a segurança das pessoas quanto para os bens materiais. Embora seja difícil estabelecer um número confiável devido à falta de informações e relatórios, estima-se que esse fenômeno cause, em média, a morte de 2.000 pessoas/ano, de acordo com um relatório da National Geographic.

Quanto aos custos materiais associados a esse fenômeno, estima-se que só nos Estados Unidos as perdas econômicas possam exceder oito milhões de dólares por ano, segundo dados divulgados pelo Instituto Nacional de Proteção contra Raios (NLSI, na sigla em inglês). Existem muitas maneiras de clas- sificar os danos materiais que uma descarga elétrica pode gerar. No entanto, é possível agrupar os maiores impactos em três categorias principais: 

Danos provocados por incêndios: devido à sua gravidade, talvez representem a maior ameaça, já que, além de causarem perdas materiais, podem comprometer a vida e a segurança das pessoas. Incêndios associados a descargas elétricas podem ocorrer após o impacto de raios em instalações de madeira ou outros tipos de materiais inflamáveis e, em geral, são iniciados pelos chamados “raios quentes”. Esse tipo de descarga elétrica apresenta uma corrente contínua, na qual a eletricidade flui por um período maior que o de uma descarga elétrica normal, gerando o calor necessário para iniciar o incêndio.

Outra fonte de incêndios associados a descargas elétricas atmosféricas surge quando o raio atinge a estrutura ou áreas próximas que contenham material inflamável. Esse tipo de evento, em que há explosões ou liberação de substâncias perigosas no meio ambiente devido a fenômenos naturais, são conhecidos como Natech (Natural Hazard Triggering Technological Disasters). De acordo com as pesquisas realizadas, cerca de 61% desses eventos são desencadeados por descargas elétricas atmosféricas, sendo a indústria petroquímica e de petróleo as mais afetadas. 

Danos provocados por sobrecargas de energia: descargas atmosféricas raramente afetam dispositivos elétricos ou eletrônicos de forma direta. Esse tipo de dano geralmente é causado por impactos nas linhas de energia, aumentando a voltagem das linhas de transmissão. Também podem ser causados por sobrecargas induzidas, causando uma queda na voltagem. Em ambos os casos, os dispositivos conectados a uma fonte de energia no momento do impacto podem ser danificados. 

Os danos em dispositivos eletrônicos podem gerar outros tipos de perdas que podem representar prejuízos econômicos muito maiores quando há processos industriais que dependem do funcionamento contínuo desses equipamentos, como sistemas de monitoramento, ventilação, telecomunicações, entre outros. Por esta razão, é importante ter sistemas de proteção adequados e equipamentos auxiliares para garantir a continuidade das operações.

Danos associados a ondas de choque: as descargas elétricas atmosféricas geram ondas de choque quando aquecem o ar. Nós percebemos essas ondas como trovões. Quando ocorrem muito perto de uma estrutura, podem se tornar devastadores. São capazes de provocar danos em concreto, tijolos, blocos de concreto e paredes de gesso, além de quebrarem vidros e criarem rachaduras e valas no solo.

 

Sistemas de proteção

Descargas elétricas atmosféricas podem impactar estruturas, instalações e provocar danos em áreas próximas e serviços conectados. O doutor Silverio Visacro enfatiza que, embora esses fenômenos possam afetar a operação e a continuidade dos negócios, existem sistemas de proteção, externos e internos, que permitem mitigar seu impacto nas estruturas, instalações e equipamentos:

Sistemas de proteção externa: procuram dissipar ou canalizar a energia de um raio de maneira segura, minimizando os danos a pessoas, equipamentos e estruturas. 

Sistemas de proteção interna: são usados para mitigar os riscos que poderiam ocorrer em consequência da energia do raio. Trata-se de dispositivos que regulam as sobrecargas e desviam a energia que pode entrar na estrutura através dos elementos condutores que fornecem serviços, como comunicações ou tubulações metálicas.

O para-raios é a proteção mais conhecida: sua função é atrair descargas elétricas e canalizar a energia delas para o solo através de um conjunto de elementos, como ponteiras de captação, calhas e sistema de aterramento. Isso evita que as descargas impactem diretamente a estrutura, o que poderia danifificar tanto a estrutura quanto o seu conteúdo.

O fato das árvores isoladase altas funcionarem como para-raios naturais e um fenômeno chamado “descarga lateral”, em que ramificações laterais do eixo principal do raio afetam objetos próximos, são a razão pela qual você não deve procurar refúgio embaixo de árvores durante uma tempestade”, explica o doutor Silverio Visacro 

Raios podem eventualmente afetar as redes de serviços com fio, induzindo sobretensões que podem causar danos aos dispositivos elétricos e eletrônicos se os sistemas de proteção interna correspondentes não estiverem disponíveis. 

 

Recomendaciones durante uma tempestade elétrica

Descargas elétricas atmosféricas podem representar um perigo latente para as pessoas que são surpreendidas por uma tempestade enquanto realizam atividades ao ar livre. Algumas atividades que geralmente são associadas ao impacto de descargas atmosféricas nos indivíduos são:

  • Praticar esportes em campo aberto: futebol, golfe, montanhismo, bicicleta, camping, entre outros;
  • Fazer atividades em mar aberto: navegação em pequenas embarcações, pesca, natação, entre outras;
  • Realizar trabalhos em campo aberto: com máquinas agrícolas, estradas, entre outros;
  • Falar pelo telefone;
  • Reparar ou usar aparelhos elétricos.

Antes e durante uma tempestade elétrica, há uma série de reco- mendações que devem ser levadas em conta para reduzir o risco de danos que as descargas elétricas produzidas podem causar, como:

  • Adiar atividades a céu aberto, como praticar esportes, por exemplo;
  • Remover galhos soltos ou secos de árvores que estejam sob ameaça de cair durante uma tempestade e causar qualquer tipo de dano;
  • Se você estiver a céu aberto, procurar abrigo dentro de casas, prédios ou carros;
  • Evitar tomar banho durante uma tempestade, já que o encanamento e algumas outras coisas presentes no banheiro podem conduzir eletricidade;
  • Evitar o uso de telefones sem fio;
  • Desconectar dispositivos elétricos e eletrônicos, como computadores, por exemplo;
  • Evitar aproximar-se de para-raios naturais, como árvo- res altas e isoladas em lugares abertos;
  • Não transitar por ladeiras, pontos altos, campos abertos e praias;
  • Evitar áreas cobertas ou pequenas estruturas isoladas em lugares abertos;
  • Não dirigir tratores, máquinas agrícolas, motocicletas, carrinhos de golfe e bicicletas;
  • Se estiver perto de florestas, buscar refúgio em áreas onde haja pequenos arbustos;
  • Em áreas abertas, se for possível, ir para os lugares mais baixos do terreno, como pequenos vales;
  • Se estiver em mar aberto, voltar para terra firme e bus- car refúgio imediatamente.

Fontes

  • Juan Pablo Restrepo. Engenheiro civil e especialista em Recursos Hidráulicos pela Universidade Nacional da Colômbia.
  • Silverio Visacro Filho. Engenheiro eletricista, mestre pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte. Doutor pela Universidade do Rio de Janeiro.